"O
Cortiço" - Análise da obra de Aluísio de Azevedo
Apresentação
Filho
do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo que, ainda
jovem, enviuvara-se em boda anterior, e de D. Emília Amália Pinto
de Magalhães, separada de um rico comerciante português, Antônio
Joaquim Branco, assiste Aluísio, em garoto, ao desabono da sociedade
maranhense a essa união dos pais contraída sem segundas núpcias,
algo que se configurava grande escândalo à época. Foi Aluísio,
irmão mais novo do dramaturgo e jornalista Artur
Azevedo, com o qual, em parceria, viria a esboçar peças
teatrais.
Ainda
em pequeno revela pendores para o desenho e para a pintura, dom que
mais tarde lhe auxiliaria na produção literária. Concluindo os
preparatórios em São
Luís do Maranhão, transfere-se em 1876
para o Rio
de Janeiro, onde prossegue estudos na Academia
Imperial de Belas-Artes, obtendo, a título de subsistência
imediata, ofício de colaborador caricaturista de jornais, como O
Fígaro,
Mequetrefe,
Zig-Zag
e A
Semana Ilustrada.
Com
o falecimento do pai em 1878 volta ao Maranhão para sustentar a
família. Ali, instigado por dificuldades financeiras, abandona
momentaneamente os desenhos e dá início à atividade literária,
publicando Uma
Lágrima de Mulher
no ano seguinte. Em 1881, ano dentre a crescente efervescência
abolicionista, publica o romance O
Mulato,
obra que deixa a sociedade escandalizada pelo modo cru com que
desnuda a questão racial e inaugura o Naturalismo
na literatura brasileira. Nela, o autor já demonstra ser
abolicionista convicto.
Diante
da reação hostil da província, obtendo sucesso com a obra na
Corte, onde era considerada como exemplo da escola naturalista, volta
à capital imperial e aí, incessantemente, produz romances, contos,
crônicas e peças de teatro.
Sua
obra é tida na conta de irregular por diversos críticos, uma vez
que a produção oscile entre o romantismo de tons melodramáticos,
de cunho comercial para o grande público, e o naturalismo já em
obras mais elaboradas, deixando a marca de precursor do movimento.
Todavia,
O Cortiço,
romance de 1890, será o tema desta publicação direcionada aos
alunos do Ensino Médio, bem como aos amantes da Literatura.
Tendo
como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses
naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base
na influência do meio, da raça e do momento histórico.
Uma
alegoria do Brasil do século XIX
Ao
ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da
crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de
Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em
sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio
na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida
em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do
Rio de Janeiro.
O
romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do
século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser
entendido como um documento histórico da época. Mas não há como
ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo
fictício em "O Cortiço" estavam muito presentes no país.
Essa
obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance
"L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que
prescreve um rigor científico na representação da realidade. A
intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente
e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio
combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela
mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são
constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias
etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance.
É
o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios
personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara
o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo
que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e
determinando o caráter moral de quem habita seu interior.
Mais
do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas
recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo
incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a
estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do
cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais
elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares
aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se
dizer que "O Cortiço" não é somente um romance
naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O
autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A
intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a
raça e a história determinam o homem e o levam à degradação.
A
obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar
que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade
sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além
disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o
Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.
Narrador
A
obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem
conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O
narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento
dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um
cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O
foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de
imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um
deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque
o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já
configura uma posição ideologicamente tendenciosa.
Tempo
Em
"O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com
princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no
Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que
ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e
com o enriquecimento de João Romão.
Espaço
São
dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço,
amontoado de casebres
mal-arranjados, onde
os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a
promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo.
Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João
Romão.
O
segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado
aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família.
O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses
espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de
Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio
determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano
funciona como elemento corruptor do homem local.
Comentário
do professor
O
cortiço é considerado o melhor representante do movimento
naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes, do
Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam
a animalização das personagens e, consequentemente, a ação
baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de
sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como
estas características estão presentes dentro da obra, afirma o
professor.
Comentário
do professor
O
cortiço é considerado o melhor representante do movimento
naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes, do
Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam
a animalização das personagens e, consequentemente, a ação
baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de
sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como
estas características estão presentes dentro da obra, afirma o
professor.
Em
"O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta:
uma que trata das
questões sociais e
outra das questões
individuais e sentimentais.
No caso das questões sociais, temos como maior representante a
personagem João Romão, que torna-se um grande comerciante passando
por cima de tudo e todos. Assim, através de uma representação crua
das relações sociais, que aqui são puramente movidas pelo
interesse individual, têm-se uma crítica social. Já nas questões
individuais/sentimentais, temos a personagem de Jerônimo, que casa
com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com ela porque
se sente atraído sexualmente por ela.
Outro
ponto que pode ser destacado é o fato de que o próprio cortiço
acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido
a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o
narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de
dizer “as janelas do cortiço se abrem”. Essa característica tem
bastante a ver com o fato de, para a corrente naturalista, o meio ter
grande influência na ação das personagens. Outro exemplo disso na
obra O cortiço é o próprio sol. Em certo momento, a esposa de
Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que ocorreram em sua
vida.