Fraudadoras violam a livre concorrência e prejudicam empresas do mesmo ramo que não são devedoras ao INSS |
Reforma
da Previdência ignora R$ 426 bilhões devidos por empresas ao INSS e
governo Temer que o
povo pague o “pato”
por
Ana Magalhães publicado 06/03/2017 11h14, última modificação
06/03/2017 11h31
Dívida
é o triplo do déficit anual calculado pelo governo. Entre as
devedoras, estão as maiores empresas do país, como Bradesco, Caixa,
Marfrig, JBS e Vale
Repórter
Brasil – Enquanto propõe que o brasileiro trabalhe por mais
tempo para se aposentar, a reforma
da Previdência Social ignora os R$ 426 bilhões que não são
repassados pelas empresas ao INSS. O valor da dívida equivale a três
vezes o chamado déficit da Previdência em 2016. Esses números,
levantados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), não
são levados em conta na reforma do governo Michel Temer.
“O governo
fala muito de déficit na Previdência, mas não leva em conta
que o problema da inadimplência e do não repasse das contribuições
previdenciárias ajudam a aumentá-lo. As contribuições não pagas
ou questionadas na Justiça deveriam ser consideradas (na reforma)”,
afirma Achilles Frias, presidente do Sindicado dos Procuradores da
Fazenda Nacional (Sinprofaz).
A maior parte dessa dívida
está concentrada na mão de poucas empresas que estão ativas.
Somente 3% das companhias respondem por mais de 63% da dívida
previdenciária. A procuradoria estudou e classificou essas 32.224
empresas que mais devem, e constatou que apenas 18% são extintas. A
grande maioria, ou 82%, são ativas.
Na lista das empresas
devedoras da Previdência,
há gigantes como Bradesco, Caixa Econômica Federal, Marfrig, JBS
(dona de marcas como Friboi e Swift) e Vale. Apenas essas empresas
juntas devem R$ 3,9 bilhões, segundo valores atualizados em dezembro
do ano passado.
A Repórter
Brasil entrou
em contato com essas empresas para entender quais são os pontos em
desacordo. O Bradesco afirma que não comenta processos judiciais. A
JBS diz que está negociando a dívida com a Receita Federal. A
Marfrig afirma, em nota, que discute judicialmente a possibilidade de
compensação de débitos previdenciários com créditos relativos ao
PIS e a COFINS e que negociou o parcelamento da dívida. A Vale
informa que possui questionamentos judiciais referentes às
contribuições previdenciárias e que ofereceu garantias da dívida,
o que a permite estar em ‘regularidade fiscal’. A Caixa Econômica
Federal não se pronunciou. Leia a íntegra
das respostas.
Click aqui e baixe em PDF
Parte
da dívida não pode ser recuperada
Apesar da maior parte das
empresas devedoras estarem na ativa, no topo da lista há também
grandes companhias falidas há anos, como as aéreas Varig e Vasp.
Por isso, nem toda a dívida pode ser recuperada. É provável que
quase 60% do valor devido nunca chegue aos cofres do INSS – ou
porque são de empresas falidas, em processo de falência,
tradicionais sonegadoras ou laranjas.
Apenas R$ 10,3 bilhões (4%
do montante da dívida) têm alta probabilidade de recuperação,
segundo estudo da procuradoria divulgado em março do ano passado. Do
classificado à época, referente à R$ 375 bilhões de dívidas,
constatou-se que 38% têm média chance de recuperação; 28% tem
baixa chance e 30% tem chances remotas (veja detalhes no quadro
abaixo).
A Repórter
Brasil entrou
em contato com essas empresas para entender quais são os pontos em
desacordo. O Bradesco afirma que não comenta processos judiciais. A
JBS diz que está negociando a dívida com a Receita Federal. A
Marfrig afirma, em nota, que discute judicialmente a possibilidade de
compensação de débitos previdenciários com créditos relativos ao
PIS e a COFINS e que negociou o parcelamento da dívida. A Vale
informa que possui questionamentos judiciais referentes às
contribuições previdenciárias e que ofereceu garantias da dívida,
o que a permite estar em ‘regularidade fiscal’. A Caixa Econômica
Federal não se pronunciou. Leia a íntegra
das respostas.
Parte
da dívida não pode ser recuperada
Apesar da maior parte das
empresas devedoras estarem na ativa, no topo da lista há também
grandes companhias falidas há anos, como as aéreas Varig e Vasp.
Por isso, nem toda a dívida pode ser recuperada. É provável que
quase 60% do valor devido nunca chegue aos cofres do INSS – ou
porque são de empresas falidas, em processo de falência,
tradicionais sonegadoras ou laranjas.
Apenas R$ 10,3 bilhões (4%
do montante da dívida) têm alta probabilidade de recuperação,
segundo estudo da procuradoria divulgado em março do ano passado. Do
classificado à época, referente à R$ 375 bilhões de dívidas,
constatou-se que 38% têm média chance de recuperação; 28% tem
baixa chance e 30% tem chances remotas (veja detalhes no quadro
abaixo).
A prova disso é que o
percentual de recuperação é baixo. Em 2016, a procuradoria
recuperou apenas R$ 4,15 bilhões dos créditos previdenciários, o
equivalente a 0,9% da dívida previdenciária total.
Apesar disso, a procuradoria
diz tomar medidas para recuperar esse valor. “Estamos num momento
em que sempre se ronda o aumento da carga tributária, e a PGFN
entende que o verdadeiro ajuste fiscal é cobrar de quem deve para
não onerar quem paga,” diz Daniel de Saboia Xavier,
coordenador-geral de grandes devedores da procuradoria.
O estudo poderia, inclusive,
ajudar a retirar algumas empresas do mercado. “A empresa fraudadora
viola a livre concorrência e prejudica empresas do mesmo ramo que
não fraudam”, afirma Xavier, destacando que o órgão priorizará
a cobrança das empresas que entram nos critérios ‘alta’ e
‘média’. Xavier explica ainda que muitas das empresas que estão
inscritas como devedoras de valores com alta chance de recuperação
apresentam questionamentos judiciais.
A Repórter Brasil
questionou quais são as empresas que seriam priorizadas à
assessoria de imprensa através da Lei de Acesso à Informação, mas
a procuradoria negou a informação sob a justificativa de que a
divulgação violaria o sigilo fiscal.
Por
que a dívida é tão alta?
A morosidade da Justiça, a
complexidade da legislação tributária brasileira e os programas de
parcelamento do governo são apontados como os principais fatores que
explicam a alta dívida previdenciária no país.
“Não é um crime
dever, e grandes grupos empresariais se beneficiam disso, questionam
valores na Justiça e ficam protelando a vida inteira,” diz
Sônia Fleury, professora da Fundação Getúlio Vargas. “É
preciso fazer uma varredura para ver como as empresas utilizam esse
mecanismo protelatório na Justiça e tomar decisões no nível mais
alto para impedir esse jogo, que só favorece as grandes empresas.
Perde o governo e o trabalhador.”
A criação de varas
específicas e especializadas poderia agilizar esse tipo de cobrança,
segundo o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais
da Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Romero. “A única
forma de fazer com que as empresas não fiquem devendo ao INSS seria
ter uma estrutura fiscalizadora e cobradora mais eficiente e eficaz,
o que chega a ser utopia no Brasil de hoje”, avalia Romero.
Sem a criação dessas
varas, o sistema de cobrança continua lento. Uma ação de cobrança
da Fazenda Nacional demora cerca de nove anos no Brasil segundo um
estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2012. A
responsabilidade pela cobrança das dívidas é da PGFN. Por outro
lado, é dever da Receita Federal fiscalizar se os repasses
previdenciários estão de fato ocorrendo, mas o trabalhador pode
também conferir se a sua empresa está cumprindo a obrigação dos
repasses pedindo, em uma agência do INSS, o extrato CNIS (Cadastro
Nacional de Informações Sociais).
O coordenador de Previdência
do Ipea, Rogério Nagamine, acredita ser necessário melhorar a
recuperação dessas dívidas, mas aponta que ela não resolve todos
os problemas da Previdência. Por isso, ele defende a reforma
proposta pelo atual governo − que estabelece a idade mínima de 65
anos para se aposentar (com pelo menos 25 anos de contribuição) e
que, entre outras alterações, muda a base de cálculo do benefício,
com redução de seu valor final.
A complexa legislação
tributária do país é outro motivo para o alto volume dessa dívida,
na avaliação da assessora política do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David. Hoje, os inadimplentes da
União pagam multa sobre a dívida, mas, segundo a especialista, essa
multa vem sendo reduzida pela Receita Federal, pela procuradoria e
pelo INSS nos últimos anos, em decorrência do parcelamento especial
de débitos tributários.
“Principalmente nas
grandes empresas, isso gera uma segurança para colocar a
inadimplência e a sonegação no planejamento tributário, porque o
risco é menor que o bônus. A legislação praticamente incentiva
uma empresa a ficar inadimplente ou a sonegar”, afirma, destacando
que em outros países as leis costumam ser mais rígidas.
A procuradoria informou, por
meio de sua assessoria, que “o que tem prejudicado a cobrança
dessas dívidas, em realidade, são os sucessivos programas de
parcelamento especial (Refis) editados nos últimos 17 anos. Os
devedores têm utilizado esses parcelamentos como meio de rolagem da
dívida, migrando de programa de forma sucessiva, sem, contudo,
quitar os débitos.”
FONTE:
http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/03/reforma-da-previdencia-ignora-426-bilhoes-devidos-por-empresas-ao-inss