O pensamento de Rubem Alves
Que
tenho sentido?
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O que tenho sentido? Beleza. Nostalgia. Tristeza. Cansaço. Urgência.
A curteza do tempo. Esperança? Sonhei ser um pianista. Mas os deuses
tinham outros planos para mim. Gosto de brincar com palavras. Por
isso sou escritor. Escritores e poetas são meus companheiros.
Sobre
o morrer
por
Rubem Alves
"Ninguém
quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar ao paraíso. Mas a
morte é o destino de todos nós."(Steve
Jobs)
Odeio
a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor.
Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita
na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para
escrever o meu haikai.Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro
com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever
um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado
sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a
última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as
outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé
certamente era seu discípulo.
Quem
sou eu?
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Minha filosofia pode ser resumida em duas frases latinas: "Tempus
Fugit": o tempo foge, passa, tudo é espuma... E "Carpe
Diem": colha cada dia como um fruto saboroso que cresce na
parede do abismo. Colha hoje porque amanhã estará podre. Sonho em
ter tempo para aprender a vagabundear.
O
último haikai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza
simples da vida que se vai. Tenho terror de ser enganado. Se estiver
para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez
anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das me-díocres,
mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses,
então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não
essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis.
A
Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de
escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio,
se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável... Creio que não
mais leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus, Guimarães
Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não
perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma
volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao
clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E ouviria mais Bach
e Beethoven. Além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu
jardim...
Escritor e educador - Rubem Alves |
Curioso
que a Morte nada tenha a dizer sobre si mesma. Quem sabe sobre a
Morte são os vivos. A Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e
depois do seu olhar tudo fica com aquele ar de "ausência que se
demora, uma despedida pronta a cumprir-se" (Cecília Meireles).
E ela nos faz sempre a mesma pergunta: "Afinal, que é que você
está esperando?" Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz:
"A
morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você
sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser
aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é
verdade.
Sua
Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora
do seu toque... Sua Morte o encarará e lhe dirá: 'Ainda não o
toquei...'"
E
o feiticeiro concluiu: "Um de nós tem de mudar, e rápido. Um
de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à
nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e
abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem
suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca".
Às
vezes ela chega perto demais, o susto é infinito, e até deixa no
corpo marcas de sua passagem. Mas se tivermos coragem para a olharmos
de frente é certo que ficaremos sábios e a vida ganhará
simplicidade e a beleza de um haikai.