quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Pesquisadores esclarecem dúvidas sobre a dengue e comentam hábitos do mosquito



Mais comum em áreas urbanas, o mosquito transmissor da dengue vive perto do homem e pica sobretudo ao amanhecer e ao entardecer (Imagem: Genilton Vieira)
Pesquisadores esclarecem dúvidas sobre a dengue e comentam hábitos do mosquito

Na entrevista abaixo, especialistas da Fiocruz esclarecem algumas das dúvidas mais comuns a respeito da dengue e do mosquito Aedes aegypti, que se originou no Egito e depois se espalhou pelo mundo. Ele também discorre sobre a eliminação do Aedes no Brasil, fato ocorrido em 1955, e de sua reintrodução no final da década de 60. Eles comentam ainda os hábitos do mosquito, discorrem sobre o bairro de Jacarepaguá concentrar cerca de um terço dos casos de dengue no Rio de Janeiro e abordam uma curiosidade: por que o mosquito teria preferência por tecidos escuros?


Por que o nome Aedes aegypti? O mosquito veio do Egito?

O mosquito Aedes aegypti é originário do Egito, mas se espalhou pelo mundo pela África: primeiro da costa leste do continente para as Américas, depois da costa oeste para a Ásia. O vetor foi descrito cientificamente pela primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex aegypti.

Como o mosquito veio parar aqui? Há registro histórico de dengue no passado?

As teorias mais aceitas indicam que o Aedes aegypti tenha se disseminado da África para o continente americano por embarcações que aportaram no Brasil para o tráfico de escravos. Há registro da ocorrência da doença em Curitiba no final do século 19 e em Niterói no início do século 20.

A dengue ocorre só no Brasil?

Não. Há registro da doença em diversos países das Américas, bem como na África, na Ásia e na Polinésia Pacífica.

O mosquito teria sido erradicado do país em alguma época? Se sim, por que voltou?

No início do século 20, o Aedes aegypti foi responsável pela transmissão da febre amarela urbana, o que impulsionou a criação de medidas para sua erradicação, que resultaram na eliminação do mosquito em 1955. No entanto, a erradicação não cobriu a totalidade do continente americano e o vetor permaneceu em áreas como Venezuela, sul dos Estados Unidos, Guianas e Suriname, além de toda a extensão insular que engloba Caribe e Cuba. A hipótese mais provável é de que tenha acontecido a chamada dispersão passiva dos vetores, através de deslocamentos humanos marítimos ou terrestres. No Brasil, o relaxamento das medidas de controle após a erradicação do vetor permitiu sua reintrodução no país no final da década de 1960. Hoje o mosquito é encontrado em todos os estados brasileiros.

O clima (especialmente do Rio) tem algo a ver com a disseminação da doença?

O Aedes aegypti é atraído por altos índices de temperatura e umidade. Por isso, o clima do Rio de Janeiro é, sim, favorável à sua proliferação. Por isso, também, a infestação pelo mosquito é sempre mais intensa no verão. Para evitar esta situação é preciso desenvolver medidas permanentes para o controle do mosquito, durante todo o ano, a partir de ações preventivas que objetivem a eliminação de focos do vetor.

Um especialista sugeriu o uso de meias brancas. Por quê?

O Aedes aegypti tem rejeição à claridade e é atraído pelo calor, por isso teria preferência por tecidos escuros. No entanto, ele é capaz de picar uma pessoa mesmo que ela esteja protegida por roupas. O importante é eliminar os criadouros do mosquito, para que ele não circule.

Por que se só a fêmea pica? Só ela se alimenta de sangue? E o macho, vive de néctar?

A fêmea precisa de sangue para a produção de ovos. Tanto o macho quanto a fêmea se alimentam de substâncias que contêm açúcar (néctar, seiva, entre outros), mas como o macho não produz ovos, não necessita de sangue.

Como se dá a convivência entre Aedes aegypti e Culex? Há disputa de espaço?

Não há disputa significativa porque os dois mosquitos alimentam-se de sangue e açúcar, disponíveis em abundância no ambiente urbano. Além disso, enquanto o Aedes aegypti é um inseto diurno que se reproduz em água limpa, mosquitos do gênero Culex preferem criadouros com alta concentração de matéria orgânica em decomposição e têm atividade estritamente noturna.

E com o Aedes albopictus, que também transmite a dengue?

O Aedes aegypti é o principal vetor da dengue. No entanto, em algumas áreas, sobretudo no sudeste da Ásia, o Aedes albopictus atua como vetor secundário. Acredita-se que esse mosquito tenha sido introduzido no Brasil na década de 1980, mas como a sua infecção natural pelo vírus da dengue ainda não foi comprovada no país, as medidas de controle da doença não têm o Aedes albopictus como foco. Além disso, não há coincidência entre a prevalência de Aedes albopictus e a ocorrência de dengue. Como as duas espécies são encontradas em ambientes urbanos, pode haver competição na fase imatura (larvas e pupas), dependendo da quantidade de água disponível.

Por que a mudança de hábitos do Aedes (antes só se reproduzia em água limpa, agora também vai na suja)?

O Aedes aegypti não desenvolveu novos hábitos. É um mosquito doméstico, vive dentro de casa e perto do homem. Tem hábitos diurnos e alimenta-se de sangue humano, sobretudo ao amanhecer e ao entardecer. A reprodução acontece em água limpa e parada, a partir da postura de ovos pelas fêmeas. Os ovos são colocados em água limpa e parada e distribuídos por diversos criadouros – estratégia que garante a dispersão da espécie. Se a fêmea estiver infectada pelo vírus da dengue quando realizar a postura de ovos, há a possibilidade de as larvas já nascerem com o vírus – a chamada transmissão vertical.

Há relação entre infestação de dengue e áreas desmatadas do Rio de Janeiro? Com os grandes vazios urbanos? Existiria alguma explicação para o fato de Jacarepaguá registrar um terço dos casos da cidade?

Os maiores índices de infestação são registrados em bairros com alta densidade populacional e baixa cobertura vegetal, onde o mosquito encontra alvos para alimentação mais facilmente. Outro fator importante é a falta de infraestrutura de algumas localidades. Sem fornecimento regular de água, os moradores precisam armazenar o suprimento em grandes recipientes que na maioria das vezes não recebem os cuidados necessários e acabam tornando-se focos do mosquito porque não são vedados completamente. Portanto, os esforços para o controle da proliferação do mosquito certamente estão relacionados a medidas do governo, mas sobretudo ao comprometimento da população.

Qual a diferença entre as formas clássica e hemorrágica de dengue?

A principal diferença é a apresentação clínica. Inicialmente, a dengue hemorrágica apresenta-se da mesma maneira que a forma clássica da doença, mas evolui rapidamente para um quadro mais grave, sem que possamos prever o agravamento do quadro do paciente. Os principais sintomas são dor abdominal, vômitos, agitação e pele seca, seguidos de queda de pressão. Se não receber tratamento imediato o paciente pode perder a consciência e chegar ao óbito por choque em poucas horas. Por isso, é fundamental ter um diagnóstico correto e instituir rapidamente o tratamento.

Quais fatores influenciam a evolução da dengue para sua forma hemorrágica?

As razões exatas são desconhecidas. Fatores genéticos individuais certamente estão envolvidos no processo de evolução da doença e há também a possibilidade de influência por uma infecção anterior, que pode intensificar uma segunda contaminação pelo vírus. No entanto, este não é um fator absoluto, pois muitas pessoas já contraíram infecções sucessivas por dengue sem desenvolver o quadro hemorrágico. A virulência das amostras também é um fator importante. Na epidemia do Rio de Janeiro de 2002/2003, a grande maioria dos casos fatais eram infecções primárias, ou seja, as pessoas nunca tinham contraído dengue, mas o vírus em questão, do tipo 3, era e continua a ser bastante virulento.

É correto afirmar que a segunda infecção será sempre mais grave que a primeira?

Não. A evolução da doença é um processo multifatorial e não há como prever com precisão.

Quantas vezes uma pessoa pode contrair dengue?

Não há limite para a infecção pelos vírus da dengue e as pessoas podem sofrer infecções sucessivas por todos os tipos de vírus circulantes na área.

Qual a cepa mais virulenta e, portanto, perigosa?

O tipo 3, proveniente da Ásia e introduzido no Brasil e nas Américas em 1994. No entanto, todos os tipos virais podem levar eventualmente a óbito.

É verdade que crianças e jovens são hoje mais suscetíveis à doença?

Especula-se que a intensa circulação de diferentes tipos virais que infectam pessoas continuamente possa gerar imunidade na população adulta, em pessoas que já tenham sido contaminadas alguma vez. Dessa forma, crianças e jovens que nunca entraram em contato com o vírus circulante podem, sim, ser mais suscetíveis ao desenvolvimento da doença. Essa dinâmica foi registrada na Ásia nas décadas de 1970 e 1980 e é possível que a experiência se repita nas Américas.