Mais comum em áreas urbanas, o mosquito transmissor da dengue vive perto do homem e pica sobretudo ao amanhecer e ao entardecer (Imagem: Genilton Vieira) |
Pesquisadores
esclarecem dúvidas sobre a dengue e comentam hábitos do mosquito
Na
entrevista abaixo, especialistas da Fiocruz esclarecem algumas das
dúvidas mais comuns a respeito da dengue e do mosquito Aedes
aegypti,
que se originou no Egito e depois se espalhou pelo mundo. Ele também
discorre sobre a eliminação do Aedes
no
Brasil, fato ocorrido em 1955, e de sua reintrodução no final da
década de 60. Eles comentam ainda os hábitos do mosquito, discorrem
sobre o bairro de Jacarepaguá concentrar cerca de um terço dos
casos de dengue no Rio de Janeiro e abordam uma curiosidade: por que
o mosquito teria preferência por tecidos escuros?
Por
que o nome Aedes
aegypti?
O mosquito veio do Egito?
O
mosquito Aedes
aegypti é
originário do Egito, mas se espalhou pelo mundo pela África:
primeiro da costa leste do continente para as Américas, depois da
costa oeste para a Ásia. O vetor foi descrito cientificamente pela
primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex
aegypti.
Como
o mosquito veio parar aqui? Há registro histórico de dengue no
passado?
As
teorias mais aceitas indicam que o Aedes
aegypti tenha
se disseminado da África para o continente americano por embarcações
que aportaram no Brasil para o tráfico de escravos. Há registro da
ocorrência da doença em Curitiba no final do século 19 e em
Niterói no início do século 20.
A
dengue ocorre só no Brasil?
Não.
Há registro da doença em diversos países das Américas, bem como
na África, na Ásia e na Polinésia Pacífica.
O
mosquito teria sido erradicado do país em alguma época? Se sim, por
que voltou?
No
início do século 20, o Aedes
aegypti foi
responsável pela transmissão da febre amarela urbana, o que
impulsionou a criação de medidas para sua erradicação, que
resultaram na eliminação do mosquito em 1955. No entanto, a
erradicação não cobriu a totalidade do continente americano e o
vetor permaneceu em áreas como Venezuela, sul dos Estados Unidos,
Guianas e Suriname, além de toda a extensão insular que engloba
Caribe e Cuba. A hipótese mais provável é de que tenha acontecido
a chamada dispersão passiva dos vetores, através de deslocamentos
humanos marítimos ou terrestres. No Brasil, o relaxamento das
medidas de controle após a erradicação do vetor permitiu sua
reintrodução no país no final da década de 1960. Hoje o mosquito
é encontrado em todos os estados brasileiros.
O
clima (especialmente do Rio) tem algo a ver com a disseminação da
doença?
O
Aedes
aegypti é
atraído por altos índices de temperatura e umidade. Por isso, o
clima do Rio de Janeiro é, sim, favorável à sua proliferação.
Por isso, também, a infestação pelo mosquito é sempre mais
intensa no verão. Para evitar esta situação é preciso desenvolver
medidas permanentes para o controle do mosquito, durante todo o ano,
a partir de ações preventivas que objetivem a eliminação de focos
do vetor.
Um
especialista sugeriu o uso de meias brancas. Por quê?
O
Aedes
aegypti tem
rejeição à claridade e é atraído pelo calor, por isso teria
preferência por tecidos escuros. No entanto, ele é capaz de picar
uma pessoa mesmo que ela esteja protegida por roupas. O importante é
eliminar os criadouros do mosquito, para que ele não circule.
Por
que se só a fêmea pica? Só ela se alimenta de sangue? E o macho,
vive de néctar?
A
fêmea precisa de sangue para a produção de ovos. Tanto o macho
quanto a fêmea se alimentam de substâncias que contêm açúcar
(néctar, seiva, entre outros), mas como o macho não produz ovos,
não necessita de sangue.
Como
se dá a convivência entre Aedes
aegypti e
Culex?
Há disputa de espaço?
Não
há disputa significativa porque os dois mosquitos alimentam-se de
sangue e açúcar, disponíveis em abundância no ambiente urbano.
Além disso, enquanto o Aedes
aegypti é
um inseto diurno que se reproduz em água limpa, mosquitos do gênero
Culex
preferem
criadouros com alta concentração de matéria orgânica em
decomposição e têm atividade estritamente noturna.
E
com o Aedes
albopictus,
que também transmite a dengue?
O
Aedes
aegypti é
o principal vetor da dengue. No entanto, em algumas áreas, sobretudo
no sudeste da Ásia, o Aedes
albopictus atua
como vetor secundário. Acredita-se que esse mosquito tenha sido
introduzido no Brasil na década de 1980, mas como a sua infecção
natural pelo vírus da dengue ainda não foi comprovada no país, as
medidas de controle da doença não têm o Aedes
albopictus como
foco. Além disso, não há coincidência entre a prevalência de
Aedes
albopictus e
a ocorrência de dengue. Como as duas espécies são encontradas em
ambientes urbanos, pode haver competição na fase imatura (larvas e
pupas), dependendo da quantidade de água disponível.
Por
que a mudança de hábitos do Aedes
(antes
só se reproduzia em água limpa, agora também vai na suja)?
O
Aedes
aegypti não
desenvolveu novos hábitos. É um mosquito doméstico, vive dentro de
casa e perto do homem. Tem hábitos diurnos e alimenta-se de sangue
humano, sobretudo ao amanhecer e ao entardecer. A reprodução
acontece em água limpa e parada, a partir da postura de ovos pelas
fêmeas. Os ovos são colocados em água limpa e parada e
distribuídos por diversos criadouros – estratégia que garante a
dispersão da espécie. Se a fêmea estiver infectada pelo vírus da
dengue quando realizar a postura de ovos, há a possibilidade de as
larvas já nascerem com o vírus – a chamada transmissão vertical.
Há
relação entre infestação de dengue e áreas desmatadas do Rio de
Janeiro? Com os grandes vazios urbanos? Existiria alguma explicação
para o fato de Jacarepaguá registrar um terço dos casos da cidade?
Os
maiores índices de infestação são registrados em bairros com alta
densidade populacional e baixa cobertura vegetal, onde o mosquito
encontra alvos para alimentação mais facilmente. Outro fator
importante é a falta de infraestrutura de algumas localidades. Sem
fornecimento regular de água, os moradores precisam armazenar o
suprimento em grandes recipientes que na maioria das vezes não
recebem os cuidados necessários e acabam tornando-se focos do
mosquito porque não são vedados completamente. Portanto, os
esforços para o controle da proliferação do mosquito certamente
estão relacionados a medidas do governo, mas sobretudo ao
comprometimento da população.
Qual
a diferença entre as formas clássica e hemorrágica de dengue?
A
principal diferença é a apresentação clínica. Inicialmente, a
dengue hemorrágica apresenta-se da mesma maneira que a forma
clássica da doença, mas evolui rapidamente para um quadro mais
grave, sem que possamos prever o agravamento do quadro do paciente.
Os principais sintomas são dor abdominal, vômitos, agitação e
pele seca, seguidos de queda de pressão. Se não receber tratamento
imediato o paciente pode perder a consciência e chegar ao óbito por
choque em poucas horas. Por isso, é fundamental ter um diagnóstico
correto e instituir rapidamente o tratamento.
Quais
fatores influenciam a evolução da dengue para sua forma
hemorrágica?
As
razões exatas são desconhecidas. Fatores genéticos individuais
certamente estão envolvidos no processo de evolução da doença e
há também a possibilidade de influência por uma infecção
anterior, que pode intensificar uma segunda contaminação pelo
vírus. No entanto, este não é um fator absoluto, pois muitas
pessoas já contraíram infecções sucessivas por dengue sem
desenvolver o quadro hemorrágico. A virulência das amostras também
é um fator importante. Na epidemia do Rio de Janeiro de 2002/2003, a
grande maioria dos casos fatais eram infecções primárias, ou seja,
as pessoas nunca tinham contraído dengue, mas o vírus em questão,
do tipo 3, era e continua a ser bastante virulento.
É
correto afirmar que a segunda infecção será sempre mais grave que
a primeira?
Não.
A evolução da doença é um processo multifatorial e não há como
prever com precisão.
Quantas
vezes uma pessoa pode contrair dengue?
Não
há limite para a infecção pelos vírus da dengue e as pessoas
podem sofrer infecções sucessivas por todos os tipos de vírus
circulantes na área.
Qual
a cepa mais virulenta e, portanto, perigosa?
O
tipo 3, proveniente da Ásia e introduzido no Brasil e nas Américas
em 1994. No entanto, todos os tipos virais podem levar eventualmente
a óbito.
É
verdade que crianças e jovens são hoje mais suscetíveis à doença?
Especula-se
que a intensa circulação de diferentes tipos virais que infectam
pessoas continuamente possa gerar imunidade na população adulta, em
pessoas que já tenham sido contaminadas alguma vez. Dessa forma,
crianças e jovens que nunca entraram em contato com o vírus
circulante podem, sim, ser mais suscetíveis ao desenvolvimento da
doença. Essa dinâmica foi registrada na Ásia nas décadas de 1970
e 1980 e é possível que a experiência se repita nas Américas.