Poeta Ferreira Gullar
A
POESIA BRASILEIRA DE LUTO, ENCANTA-SE PARA O ALÉM DO COSMO -
FERREIRA GULLAR, O POETA DO ENGAJAMENTO SOCIAL
Por Gleidistone Antunes
Poeta, crítico de arte,
tradutor e ensaísta. Ferreira
Gullar era
considerado como o maior poeta vivo da literatura brasileira. Um dos
nomes mais importantes de nossas letras, José Ribamar Ferreira
iniciou sua carreira no ano de 1940, em São Luís, Maranhão, sua
cidade natal. Em 1951 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde
colaborou com diversas publicações, entre elas revistas e jornais,
além de ter participado ativamente da criação do movimento
neoconcreto.
A poesia de Ferreira Gullar
sempre destacou-se pelo engajamento político. Por meio da palavra,
Gullar fez da poesia um importante instrumento de denúncia social,
especialmente na produção dos anos de 1950, 1960 e 1990, haja vista
que, posteriormente, o poeta tenha reconsiderado antigos
posicionamentos. Sua poética engajada ganhou força a partir dos
anos de 1960 quando, ao romper com a poesia de vanguarda, aderiu ao
Centro Popular de Cultura (CPC), grupo de intelectuais de esquerda
criado em 1961, no Rio de Janeiro, cujo objetivo era defender o
caráter coletivo e didático da obra de arte, bem como o engajamento
político do artista.
Perseguido pela ditadura
militar, Ferreira Gullar exilou-se na Argentina durante os anos de
repressão, exílio provocado pelas fortes tensões psíquicas e
ideológicas encontradas em sua obra. A importância do poeta foi
reconhecida tardiamente, na década de 1990, quando finalmente Gullar
foi agraciado com os mais importantes prêmios literários de nosso
país. Em 2014, aos 84 anos, foi eleito imortal da Academia
Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira de número 37, que
pertencera ao escritor Ivan Junqueira, morto nesse mesmo ano.
Para que você conheça um pouco
mais da obra poética desse importante escritor, o Blog
Prof Gleidistone
selecionou quinze poemas de Ferreira Gullar para que você mergulhe
nos versos carregados de engajamento e preocupação social,
elementos que fizeram do maranhense um dos ícones da literatura
brasileira. Boa leitura.
Leia
os 15 Melhores Poemas de Ferreira Gullar
1
- Não há vagas
O
preço do feijão
não
cabe no poema. O preço
do
arroz
não
cabe no poema.
Não
cabem no poema o gás
a
luz o telefone
a
sonegação
do
leite
da
carne
do
açúcar
do
pão
O
funcionário público
não
cabe no poema
com
seu salário de fome
sua
vida fechada
em
arquivos.
Como
não cabe no poema
o
operário
que
esmerila seu dia de aço
e
carvão
nas
oficinas escuras
–
porque o poema, senhores,
está
fechado:
“não
há vagas”
Só
cabe no poema
o
homem sem estômago
a
mulher de nuvens
a
fruta sem preço
O
poema, senhores,
não
fede
nem
cheira.
2
- Traduzir-se
Uma
parte de mim
é
todo mundo:
outra
parte é ninguém:
fundo
sem fundo.
Uma
parte de mim
é
multidão:
outra
parte estranheza
e
solidão.
Uma
parte de mim
pesa,
pondera:
outra
parte
delira.
Uma
parte de mim
almoça
e janta:
outra
parte
se
espanta.
Uma
parte de mim
é
permanente:
outra
parte
se
sabe de repente.
Uma
parte de mim
é
só vertigem:
outra
parte,
linguagem.
Traduzir-se
uma parte
na
outra parte
– que
é uma questão
de
vida ou morte –
será
arte?
3
- No corpo
De
que vale tentar reconstruir com palavras
O
que o verão levou
Entre
nuvens e risos
Junto
com o jornal velho pelos ares
O
sonho na boca, o incêndio na cama,
o
apelo da noite
Agora
são apenas esta
contração
(este clarão)
do
maxilar dentro do rosto.
A
poesia é o presente.
4
- Poemas Neoconcretos I
mar
azul
mar
azul marco azul
mar
azul marco azul barco azul
mar
azul marco azul barco azul arco azul
mar
azul marco azul barco azul arco azul ar azul
5
- Aprendizado
Do
mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te
agora ao sofrimento
que
é fruto dela
e
seu avesso ardente.
Do
mesmo modo
que
da alegria foste
ao
fundo
e
te perdeste nela
e
te achaste
nessa
perda
deixa
que a dor se exerça agora
sem
mentiras
nem
desculpas
e
em tua carne vaporize
toda
ilusão
que
a vida só consome
o
que a alimenta.
6
- Um Instante
Aqui
me tenho/ Como não me conheço/ nem me quis/ sem começo/ nem fim/
aqui me tenho/ sem mim/ nada lembro/ nem sei/ à luz presente/ sou
apenas um bicho/ transparente. Um instante, poema de Ferreira Gullar.
7
- Subversiva
A
poesia
Quando
chega
Não
respeita nada.
Nem
pai nem mãe.
Quando
ela chega
De
qualquer de seus abismos
Desconhece
o Estado e a Sociedade Civil
Infringe
o Código de Águas
Relincha
Como
puta
Nova
Em
frente ao Palácio da Alvorada.
E
só depois
Reconsidera:
beija
Nos
olhos os que ganham mal
Embala
no colo
Os
que têm sede de felicidade
E
de justiça.
E
promete incendiar o país.
8
- Os mortos
Os
mortos vêem o mundo
pelos
olhos dos vivos
eventualmente
ouvem,
com
nossos ouvidos,
certas
sinfonias
algum
bater de portas,
ventanias
Ausentes
de
corpo e alma
misturam
o seu ao nosso riso
se
de fato
quando
vivos
acharam
a mesma graça
9
- Cantiga para não morrer
Quando
você for se embora,
moça
branca como a neve,
me
leve.
Se
acaso você não possa
me
carregar pela mão,
menina
branca de neve,
me
leve no coração.
Se
no coração não possa
por
acaso me levar,
moça
de sonho e de neve,
me
leve no seu lembrar.
E
se aí também não possa
por
tanta coisa que leve
já
viva em seu pensamento,
menina
branca de neve,
me
leve no esquecimento.
10
- Prometi-me Possuí-la
Prometi-me
possuí-la muito embora
ela
me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a
na catástrofe da aurora,
e
na fonte e no muro onde sua face,
entre
a alucinação e a paz sonora
da
água e do musgo, solitária nasce.
Mas
sempre que me acerco vai-se embora
como
se temesse ou me odiasse.
Assim
persigo-a, lúcido e demente.
Se
por detrás da tarde transparente
seus
pés vislumbro, logo nos desvãos
das
nuvens fogem, luminosos e ágeis!
Vocabulário
e corpo — deuses frágeis —
eu
colho a ausência que me queima as mãos.
[Poemas
Portugueses]
11
- Extravio
Onde
começo, onde acabo,
se
o que está fora está dentro
como
num círculo cuja
periferia
é o centro?
Estou
disperso nas coisas,
nas
pessoas, nas gavetas:
de
repente encontro ali
partes
de mim: risos, vértebras.
Estou
desfeito nas nuvens:
vejo
do alto a cidade
e
em cada esquina um menino,
que
sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me
no tempo.
Onde
estarão meus pedaços?
Muito
se foi com os amigos
que
já não ouvem nem falam.
Estou
disperso nos vivos,
em
seu corpo, em seu olfato,
onde
durmo feito aroma
ou
voz que também não fala.
Ah,
ser somente o presente:
esta
manhã, esta sala.
12
- Madrugada
Do
fundo de meu quarto, do fundo
de
meu corpo
clandestino
ouço
(não vejo) ouço
crescer
no osso e no músculo da noite
a
noite
a
noite ocidental obscenamente acesa
sobre
meu país dividido em classes.
13
- Neste Leito de Ausência
Neste
leito de ausência em que me esqueço
desperta
o longo rio solitário:
se
ele cresce de mim, se dele cresço,
mal
sabe o coração desnecessário.
O
rio corre e vai sem ter começo
nem
foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai
nas águas levando, involuntário,
luas
onde me acordo e me adormeço.
Sobre
o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo
espelho — o precário no precário.
Flore
um lado de mim? No outro, ao contrário,
de
silêncio em silêncio me apodreço.
Entre
o que é rosa e lodo necessário,
passa
um rio sem foz e sem começo.
14
- Meu povo, meu poema
Meu
povo e meu poema crescem juntos
como
cresce no fruto
a
árvore nova
No
povo meu poema vai nascendo
como
no canavial
nasce
verde o açúcar
No
povo meu poema está maduro
como
o sol
na
garganta do futuro
Meu
povo em meu poema
se
reflete
como
a espiga se funde em terra fértil
Ao
povo seu poema aqui devolvo
menos
como quem canta
do
que planta
15
- MINHA MEDIDA
Meu
espaço é o dia
de
braços abertos
tocando
a fímbria de uma e outra noite
o
dia
que
gira
colado
ao planeta
e
que sustenta numa das mãos a aurora
e
na outra
um
crepúsculo de Buenos Aires
Meu
espaço, cara,
é
o dia terrestre
quer
o conduzam os pássaros do mar
ou
os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o
dia
medido
mais pelo pulso
do
que
pelo
meu relógio de pulso
Meu
espaço — desmedido —
é
o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de
braços abertos tocando a fímbria
de
uma e outra fome,
o
povo, cara,
que
numa das mãos sustenta a festa
e
na outra
uma
bomba de tempo.
Fonte:
http://escolaeducacao.com.br/melhores-poemas-de-ferreira-gullar/