FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA MATA SUL – PE
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Preconceito Linguístico: como é, como se faz
SILVA, Gleidistone da,
No livro “Preconceito linguístico: como é, como se faz”, o autor Marcos Bagno aborda questões relacionadas ao tema presente em boa parte da sociedade brasileira.
Uma questão importante levantada pelo autor é a confusão que muitas pessoas fazem entre língua, um termo mais abrangente, e gramática normativa, que é uma ramificação da língua auxiliadora da norma culta. A permanência do preconceito linguístico também se deve, segundo o autor, a oito (08) mitos presentes na vida e na fala dos brasileiros, a saber:
1. “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Esse mito consiste em o brasileiro, mesmo descendendo de povos diferentes, falar uma mesma língua (independentemente da diversidade e variabilidade). Nesse contexto, as pessoas que não dominam a norma culta da língua são exclusas da sociedade como não participantes dela. Como a língua materna é comum a todos os brasileiros muitos têm uma visão de união do povo, mas o que há é muito preconceito com as classes desprivilegiadas.
2. “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português”. Esse pensamento é resultado de uma miscigenação. O povo brasileiro não consegue falar o português legítimo de acordo como os paradigmas portugueses. A língua falada em Portugal é diferente da brasileira. Portanto, não é verdadeiro afirmar que os brasileiros não sabem falar corretamente a língua portuguesa.
3. “Português é muito difícil”. Esse mito é muito parecido com o supracitado. Devido à gramática normativa não considerar o português falado pelos brasileiros, os gramáticos tradicionalistas ajudam na proliferação desse mito por meio da mídia e em nome do consumismo, refletindo assim no ensino das escolas.
4. “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. Pela ótica da gramática normativa, o que não estiver de acordo com ela está errado e não é português. O preconceito embutido é em relação às classes desfavorecidas, que não obedecem às normas gramaticais. O preconceito linguístico nasce também de um preconceito social em relação às condições financeiras e regionais.
5. “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é no Maranhão”. Esse mito existe porque, no Maranhão, há uma conservação de um aspecto único da linguagem clássica literária, que mantém relações com a língua falada em Portugal, pois lá se usa o pronome tu seguido das formas verbais clássicas. Entretanto, após uma reorganização do sistema pronominal, substituiu-se o tu por você. A valorização desse mito desrespeita a variedade que a língua sofre.
6. “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Existem, no Brasil, diversas formas de falar o português de acordo com cada região. Essa variedade da representação da palavra ou da língua escrita não deve ter relação com o modo que se fala. O maior propagador desse mito é o ensino tradicional, que determina a pronúncia da palavra de acordo com a forma escrita, supervalorizando a escrita e desvalorizando a variedade da língua falada.
7. “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Se essa afirmação fosse verdadeira, todos os escritores seriam especialistas em gramática, e gramáticos seriam ótimos escritores. A língua é um fenômeno dinâmico, muda com o tempo e com as transformações na sociedade; a gramática, porém, não se renova e envelhece. Ela representa apenas regras; a língua é mais que isso, é a forma de expressão de um povo, de uma sociedade.
8. “O domínio da normal culta é instrumento de ascensão social”. A norma culta de nada adianta a uma pessoa que não tenha direitos, instrução ou boas condições financeiras. O circulo vicioso do preconceito linguístico é composto por três elementos: a gramática tradicional; os métodos tradicionais de ensino; e os livros didáticos. Ele se forma por meio da gramática tradicional, que inspira as práticas de ensino, que acaba fazendo com que a indústria do livro didático, recorra à gramática para orientá-la.
Para iniciar uma desconstrução do preconceito linguístico, é necessário que se reconheça essa crise que afeta o ensino da língua portuguesa. Na escola, ensina-se como verdade absoluta a norma culta, que não tem relação com a linguagem falada pela maioria da população brasileira. Isso acarreta um bloqueio na livre expressão do aluno e o não-incentivo das habilidades linguísticas. Outro problema corrente é a correção antes de se entender o que o aluno quis dizer com o seu texto. Esse procedimento pode gerar um sentimento de incompetência e incapacidade, desestimulando o hábito da leitura, pois o ensino assume um caráter punitivo. Acrescenta-se ainda que os comandos paragramaticais e a gramática, explicam o português de forma complicada, tornando a compreensão da língua muito mais complexa, o que para os falantes da língua materna não deveria ser uma situação de incompreensível acesso e uso.
Além do reconhecimento da crise, também se deve atentar para uma mudança de atitude em relação aos argumentos preconceituosos relacionados às formas individuais ou regionais do saber linguístico. Outro fator é que devemos nos assumir como falantes convictos da língua materna; analisar criticamente os comandos paragramaticais; e usar somente as informações relevantes que eles possam conter, sem levar em consideração a visão preconceituosa que estes carregam.
O ensino por parte do professor deve assumir uma característica de não se basear na imposição do uso único da norma culta como modelo para a língua em geral. Dessa forma, o professor deve estudar, pesquisar, mudar a sua visão em relação à educação, pois o ensino do português não deve se prender dinamicamente à gramática justamente pela vivacidade da língua. Deve-se também observar e refletir de que forma o aluno pode melhorar e apropriar-se da língua e ser um bom usuário dela.
A noção de erro também vale para a desconstrução desse círculo vicioso, pois se deve desmanchar assim a confusão entre língua escrita, que é orientada pela ortografia. Outro fator relevante no ensino da língua portuguesa é a importância de o aluno saber a diferença entre a forma que se escreve (linguagem formal) e a que se fala (linguagem coloquial) e como e onde usar cada uma delas.
Os professores ainda estão agarrados a uma paranóia ortográfica em que somente são vistos os erros de ortografia ou a coerência, subestimando a verdadeira intenção e a ideia que o aluno desenvolvera. A arte de compreender o contexto da produção do aluno, na tentativa de se libertar da paranóia ortográfica, deve fazer parte da prática do professor, pois esse processo ajuda na desconstrução do círculo vicioso. Mais um auxiliador nessa desconstrução é a posição do professor como pesquisador e formador do seu saber linguístico para eliminar a ação repetidora e reprodutora da gramática; fazer uma crítica ativa da prática em sala de aula, principalmente no ensino da língua como um todo e não enfatizar a gramática somente; mostrar aos que estão ao nosso redor que a ciência da linguagem evoluiu como todas as outras ciências; e assumir uma postura nova na tentativa de romper os laços que os unem à gramática.
A gramática tradicional conseguiu conservar-se bastante intacta. Tornou-se uma doutrina a ser seguida e foi elevada a patamar de modelo por alguns especialistas, os quais ignoram o estudo e os avanços da linguística, o que acaba gerando um preconceito disfarçado. Alguns defensores do português padrão dão manifestações claras de seu preconceito contra os estudos da ciência da língua pela mídia. Esses gramáticos conservadores, com suas formas de induzir preconceituosamente o povo, conseguem abafar a voz dos linguístas.
Os brasileiros, como falantes da língua portuguesa, não deveriam permitir que, por meio da mídia e de algumas pessoas de maior poder aquisitivo, o ser humano pudesse ser tão desvalorizado em sua principal condição: a de ser HUMANO social e Político.
De forma clara e objetiva, Marcos Bagno consegue expor o preconceito linguístico que é fortemente ligado ao preconceito social, à desvalorização do povo brasileiro como país independente; a propagação desses elementos pela mídia (grande veículo de controle social); e as práticas de ensino da língua portuguesa nas escolas, que visam obedecer cegamente à gramática normativa (ligada aos aspectos literários), desvalorizando e incentivando a não-comunicação e expressão dos alunos em um plano escrito.
Referências ______________________________________________________________________
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico:o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
PRESTES, Maria Luci de Mesquita. A pesquisa e a construção do conhecimento científico: do planejamento aos textos, da escola à academia. 2ª ed. São Paulo: Rêspel, 2003.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
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