Ministro do Supremo Tribunal Federal Dr. Luis Roberto Barroso |
Pessoal,
na moral!!!
Existem momentos da nossa vida
que valem um eternidade. A cerimônia de formatura de uma pessoa num
curso superior, seja ele qual for, é o instante que fecha com chave
de ouro o fim de um ciclo para que outro se inicie.
A escolha de um patrono é uma
responsabilidade muito grande, pois esse escolhido tem de representar
os anseios, os sonhos e o perfil dos formandos que o escolheu.
Logo abaixo nós vamos ler, na
íntegra, o discurso do patrono da turma de novos bacharéis em
direito - 2014, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, o
Ministro do Supremo Tribunal Federal Dr. Luis Roberto Barroso.
Esse discurso emocionou os
internautas e viralizou no Facebook obtendo mais de 47 mil acessos.
Leia
o texto na íntegra:
A vida
e o Direito: breve manual de instruções
I.
Introdução
Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos
bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma
turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e
eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia
de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão
menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.
Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos
meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá
dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta
noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas
para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.
É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções.
Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada
pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é
fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada
um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai
aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia
breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.
II. A
regra nº 1
No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso
do arremesso de anão". Como se lembrarão, em uma localidade
próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no
qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente
físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor
levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com
a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.
Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês
confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho
afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana,
deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de
direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade
perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história
não havia terminado ainda.
E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias
possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da
ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se
sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela
prática. Pelo contrário.
Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha
um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão
feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde
vivia esquecido e invisível.
Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos
divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali,
naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia
viver no mundo do Direito.
Esta era a regra nº 1: Nunca forme uma opinião sem antes ouvir
os dois lados.
III. A
regra nº 2
Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso
exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser
vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história
que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos
estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam,
como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de
esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a
falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem
religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu
fala: "Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu
tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de
neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali.
Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe,
me tire dessa situação, salve a minha vida". Diante de tal
depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você
está aqui, deveria ter passado a acreditar". E o ateu
responde: "Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que
eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me
resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles
que eu devo a minha vida". Note-se que não há aqui
qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.
Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora
Anais Nin: “Nós não vemos as coisas como elas são, nós as
vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida
completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem
presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro.
Aqui a nossa regra nº 2: A verdade não tem dono.
IV. A
regra nº 3
Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os
dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a
interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma
desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza
irá assistir a morte de todos os seus parentes".
Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no
sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao
ouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande
felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os
seus parentes". Exultante com a revelação, o Sultão
mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira
a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não
consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro
sábio. O outro foi castigado e você foi premiado". Ao que
o segundo sábio respondeu: "A diferença não está no que
eu falei, mas em como falei".
Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber
levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel
áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos
alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível,
também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo
outro.
Esta a nossa regra nº 3: O modo como se fala faz toda a
diferença.
V. A
regra nº 4
Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação
de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios
em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo,
idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade
demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso
como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem
desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo
primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o
bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao
fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos
dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não
são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos
para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver
acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude
não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é
a sua própria recompensa.
Eis a
nossa regra nº 4: Seja bom e correto mesmo quando ninguém
estiver olhando.
VI. A
regra nº 5
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após
intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro.
O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O
vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a
cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia,
que arrebatou-o em voo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua
vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente,
por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas,
é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na
vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a
própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar.
Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e
traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é
presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e
envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam
rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem
oferece e quem recebe.
Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida
começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se
segue, e que é pertinente aqui. "As coisas não caem do céu.
É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto.
Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar
tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando,
após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à
vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa
e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é
bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo,
por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é
preciso agradecer".
Esta a nossa regra nº 5: Ninguém é bom demais, ninguém é bom
sozinho e é preciso agradecer, ou seja, ser grato.
VII.
Conclusão
Eis então
as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:
1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;
2. A verdade não tem dono;
3. O modo como se fala faz toda a diferença;
4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;
5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso
agradecer.
Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi
passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu
aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar
conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença
aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com
toda a energia positiva do meu afeto:
(i) Fique vivo;
(ii) Fique inteiro;
(iii) Seja bom caráter;
(iv) Seja educado; e
(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.
Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se
da advertência inspirada de Disraeli: "A vida é muito curta
para ser pequena".
Fonte: http://paginadoenock.com.br/ha-poucos-dias-o-ministro-do-supremo-tribunal-federal-luis-roberto-barroso-foi-patrono-da-turma-de-direito-da-uerj-de-2014-da-qual-tinha-sido-professor-seu-discurso-virou-hit-na-internet-com-mais/
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