terça-feira, 21 de abril de 2015

Paralelismo semântico

 


Paralelismo semântico

Quando se coordenam palavras, é importante que elas pertençam à mesma área de significação. Caso isso não ocorra, pode haver uma ruptura do paralelismo. Esse tipo de quebra produz muitas vezes correspondências indevidas, como neste exemplo:

“A diferença entre o IDH dos países pobres e os países ricos é resultado sobretudo da educação.”

O aluno se propõe a estabelecer o contraste entre dois IDH´s (Índices de Desenvolvimento Humano). Para isso inicia um processo coordenativo em que o primeiro termo é a sigla seguida de um adjunto adnominal.  Espera-se que no segundo ele mantenha o mesmo padrão, falando do IDH dos países ricos. Como isso não ocorre, o resultado é um confronto entre elementos heterogêneos. Não se pode comparar um índice com um país.

Outro exemplo aparece nesta passagem de uma redação sobre os desafios de quem chega à cidade grande:

“Armadilhas, tentações, interesseiros irão lhe acompanhar aonde você queira ir.”

Embora os três núcleos do sujeito estejam representados por substantivos (ou seja, não há quebra do paralelismo morfossintático), é visível a ruptura produzida pelo terceiro. Os dois primeiros são genéricos, remetem às ações, enquanto que o último designa o agente. Para haver harmonia semântica, o aluno deveria ter escrito “interesses” em vez de “interesseiros”.

Exemplo semelhante ocorre neste outro trecho:

“A partir de então, na empresa, foi vítima do ciúme, do ressentimento, dos agressores que a invejavam.”

Se o redator inicia a sequência de complementos com “ciúme” e “ressentimento”, é natural que a feche com uma palavra do mesmo nível semântico. Escrevendo, por exemplo, “da agressividade dos que a invejavam”.

Às vezes a ruptura é discreta, mas nem por isso deixa de comprometer a unidade do período. Muitos talvez não percebam que ela ocorre no exemplo abaixo:

“O dinamismo econômico dita a capacitação profissional e os serviços mais qualificados.”

Mas ocorre, sim. A frase ficaria mais harmoniosa caso os dois complementos fossem da mesma natureza, o que se obtém com uma pequena inversão dos termos que formam o segundo objeto direto: “O dinamismo econômico dita a capacitação profissional e a maior qualificação dos serviços.”

A quebra do paralelismo pode ter caráter estilístico, como nesta famosa passagem de Machado de Assis:
A menção ao dinheiro surpreende o leitor, que espera a continuidade da indicação temporal. Ao coordenar informações que não têm relação uma com a outra, o narrador enfatiza que a moça não esteve com ele por amor; agiu por interesse. Outro seria o efeito se essa confissão aparecesse em outro contexto. Seria uma referência crítica e talvez nostálgica, mas a que faltaria a nota irônica.

Chico Viana é professor de português e redação. www.chicoviana.com

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