OS
60 ANOS DE UMA VIAGEM QUE MUDOU OS CAMINHOS DA LITERATURA BRASILEIRA
por
Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual
Percurso
de Guimarães Rosa pelo sertão de Minas Gerais, que resultou em dois
livros, é tema de debates e exposição na cidade
onde
nasceu o escritor
Foram
dez dias de viagem. Quatro anos depois, uma das obras-primas de
Guimarães
(Eugênio
Silva/O Cruzeiro/EM/D.A)
São
Paulo – (Esta madrugada, deitado, via a lua, já baixa, lua
cheia, pronta a ir-se. (Lado meu era o do poente). Poente da lua
cheia (ainda alta, eclipsado). Depois às 4 hs. 30', as nuvens
cinzento-verde, leve. Hora em que as nuvens (isoladas) refletem os
verdes do mundo. Depois, elas ficam azul e rosa.
(...)
No
bolso da calça de um trabalhador tôda a palha de uma espiga de
milho,
(...)
Morros
azuis me percorrem; desenharam-se do céu."
Os
trechos acima fazem parte das anotações do escritor João Guimarães
Rosa feitas durante a viagem de dez dias, entre 19 e 28 de maio de
1952, pelo sertão de Minas Gerais, ao lado de um grupo de vaqueiros
que levava uma boiada de uma fazenda para outra, em um percurso de
240 quilômetros. Uma travessia que resultaria, quatro anos depois,
nos livros Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile. Na
época, ele já havia publicado Sagarana (1946), com nove
contos, entre os quais se destaca "A Hora e Vez de Augusto
Matraga".
Da
vida real para a literatura, Manuelzão se tornaria um dos mais
conhecidos personagens do universo roseano. Capataz que liderava a
tropa de boiadeiros, Manuel Nardi trabalhava para um primo de
Guimarães Rosa, o fazendeiro Francisco Guimarães Moreira, o Chico
Moreira. E foi uma espécie de guia do escritor – com cadernetas
penduradas no pescoço, ele perguntava e anotava cada detalhe do
percurso pelo interior mineiro – minúcias como o nome de cada um
dos bois e vacas, por exemplo. Um volume de "rabiscos de
mutiladas palavras e abreviadas frases" que resultou em
clássicos da literatura brasileira. O autor os batizou de Boiada 1 e
Boiada 2. As cadernetas foram posteriormente transcritas para o papel
datilografado.
Até
pouco tempo atrás, as cadernetas estavam disponíveis apenas no
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
(IEB-USP). No ano passado, foram transcritas em livro.
Os
60 anos da caminhada de Guimarães Rosa com os vaqueiros são o tema
da 24ª Semana Roseana, de 24 a 30 deste mês em Cordisburgo (MG),
onde nasceu o escritor, em 1908. "A viagem tem uma importância
muito grande, porque ali ele vai conhecer o Manuelzão. A partir
dali, a imaginação vai fluir", comenta o historiador Ronaldo
Alves, diretor do Museu Guimarães Rosa, que funciona na casa onde o
escritor viveu na infância, quando era conhecido por Joãozito.
O
pesquisador chama a atenção para as referências diretas e
indiretas, na obra, das pessoas com quem Rosa conviveu durante a
viagem, caso da novela "Uma Estória de Amor", que com
"Campo Geral" compõe a obra Manuelzão e Miguilim. A
primeira estória tem como personagem principal Manuelzão, um velho
boiadeiro, e a segunda trata da infância.
"De
todo não queria parar, não quereria suspeitar em sua natureza
própria de um anúncio de desando, o desmancho, no ferro do corpo.
Resistiu. Temia tudo na morte."
MEMÓRIA
Segundo
Ronaldo, durante a Semana Roseana se concluirá a Nova Exposição de
Longa Duração do museu. Cada cômodo também será batizado com o
nome de uma obra do escritor. No dia 28, será exibido o documentário
Conto o que vi, o que não vi, não conto, da professora Beth
Ziani, doutoranda em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP),
organizadora do projeto Memória Viva do Sertão.
O
documentário traz depoimentos de moradores da região percorrida por
Guimarães Rosa em 1952. Também será inaugurada uma exposição com
fotos da viagem feitas por Eugênio Silva para a revista O
Cruzeiro. Os organizadores do projeto vão espalhar 50 marcos por
áreas visitadas pelo escritor, sendo 40 em Cordisburgo, com trechos
de obras.
A
Semana Roseana inclui sarau literário, mesas-redondas, peças,
lançamento de livros, caminhadas e as apresentações do Grupo
Miguilim, formado por jovens até 17 anos que leem histórias de
Guimarães Rosa.
O
escritor dormiu "em cama de capim, em forma de fazer
rapadura", contou João Henrique Ribeiro, o Zito, vaqueiro e
poeta, em entrevista à Revista dos Bancários em agosto de
2001. E não queria ser chamado de doutor. "Ele gostava de
ser chamado de vaqueiro Rosa", mesmo não tendo muito jeito
de boiadeiro. E "perguntava sem parar". No final da
viagem de 1952, Zito despediu-se de Rosa.
Vamos
terminar esta estória
Falando
em Dr. João
Que
fez esta viagem
Com
o pessoal do sertão.
Adeus
Dr. João Rosa
O
sr. vai me desculpar
Você
segue a tua viagem
E
nos vamos voltar.
Dr.
João Rosa foi sembora
Despedio
do cozinheiro
Nós
voltamo para a serra.
Ele
foi para o Rio de Janeiro.
Guimarães
Rosa morreu em 1967, pouco depois de tomar posse na Academia
Brasileira de Letras, para a qual havia sido eleito quatro anos
antes.
FONTE:
http://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2013/05/guimaraes
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