sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Educação x Trabalho – prof_gleidistone@hotmail.com


Educação x Trabalho – prof_Gleidistone@hotmail.com


No mundo contemporâneo, o trabalho deixa de ser um dever e passa a ser um privilégio, ao passo que há poucas vagas para muitos trabalhadores. Soma-se isto à existência dos subempregos, ou dos trabalhos sazonais, constituindo um enorme contingente de mão-de-obra de reserva. Eis que surge a educação, como forma de qualificar trabalhadores a altos cargos e proporcionar melhores condições salariais.
É, na esfera capitalista, que se dá esta dominância da educação sobre o trabalho: quando a educação não mais deve preparar o indivíduo para o exercício da vida, do pensar, mas qualificá-lo para se sobressair na crescente concorrência do mercado de trabalho.

  • A educação limita o trabalho – na figura do trabalhador/estudante – na medida em que não fornece, ou retira a prática do pensar, da crítica, enfim, os mecanismos cognitivos. Com isto, o que se vê é a total submissão do trabalho, amplamente exposto a qualquer possível artimanha da educação ou de quem dela se utilize para controlar e dominar as forças de trabalho.
  • Negligente ou tendenciosa, a verdade é que a educação submete o trabalho, e sequer dá a este o que se propunha a oferecer. Há ainda o caso em que se dá pequena resistência, dentro do conglomerado educacional, no sentido de melhor preparar, mas é impedida de pôr em prática suas idéias, seja frontalmente (demissões) ou indiretamente (falta de verbas, horário, etc.).
  • Por outro lado, reside nesta dialética uma interdependência entre educação e trabalho, onde aquele só domina em função da submissão deste. A educação se mantém da necessidade do trabalho, sem a qual não haveria razão de ser, no modelo educacional vigente.
  • A etapa a posteriori, da “tomada de consciência” por parte do dominado (no caso, o trabalho) em relação ao dominador (educação), ainda não se concretizou. Entretanto, é de vital importância que ela ocorra, uma vez que a educação é reflexo do que dela se espera, por muitas vezes; os altos impostos e mensalidades (no caso do ensino particular), por sua vez, devem se refletir em autonomia por parte de quem os paga.

É preciso que se discuta acerca de questões aparentemente simples, porém não-respondidas, como o porquê do ensino fundamental público não preparar para o ingresso no ensino superior, igualmente público, apenas para citar uma, dentre tantas outras...
Só assim, a situação se inverterá dialeticamente, e se dará a liberdade estóica do trabalho em relação à educação.


O objetivo central dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância é a emancipação humana.


A educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: “fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes”. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes.
Em lugar de instrumento da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. A natureza da educaçãocomo tantas outras coisas essenciais nas sociedades contemporâneasestá vinculada ao destino do trabalho. Um sistema que se apóia na separação entre trabalho e capital, que requer a disponibilidade de uma enorme massa de força de trabalho sem acesso a meios para sua realização, necessita, ao mesmo tempo, socializar os valores que permitem a sua reprodução. Se no pré-capitalismo a desigualdade era explícita e assumida como tal, no capitalismo – a sociedade mais desigual de toda a história –, para que se aceite que “todos são iguais diante da lei”, se faz necessário um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas.
No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”, “tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shopping centeres, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro.
O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo. Aprende-se a todo o momento, mas o que se aprende depende de onde e de como se faz esse aprendizado. García Márquez diz que aos sete anos teve de parar sua educação para ir à escola. Saiu da vida para entrar na escola – parodiando a citação de José Martí, utilizada neste livro. Seu autor, István Mészáros, filósofo no melhor sentido da palavra – aquele que nos ajuda a desvendar o significado das coisas –, húngaro de nascimento, pôde conviver com um dos maiores pensadores marxistas, Georg Lukács.
Mészáros orienta sua obra por uma demanda de seu mestre: reescrever O capital de Marx – trabalho que empreendeu em seu Para além do capital 1, hoje leitura indispensável para se entender o sistema de relações capital–trabalho, seus limites, suas contradições, seu movimento e seu horizonte de superação.
Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória, não poderia senão restabelecer os vínculos – tão esquecidos – entre educação e trabalho, como que afirmando: digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu te direi onde está a educação. Em uma sociedade do capital, a educação e o trabalho se subordinam a essa dinâmica, da mesma forma que em uma sociedade em que se universalize o trabalho – uma sociedade em que todos se tornem trabalhadores –, somente aí se universalizará a educação.
“A ‘auto-educação de iguais’ e a ‘autogestão da ordem social reprodutiva’ não podem ser separadas uma da outra” – nas palavras de Mészáros. Antes disso, educação significa o processo de “interiorização” das condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho como mercadoria, para induzi-los à sua aceitação passiva. Para ser outra coisa, para produzir insubordinação, rebeldia, precisa redescobrir suas relações com o trabalho e com o mundo do trabalho, com o qual compartilha, entre tantas coisas, a alienação.
Para que serve o sistema educacional – mais ainda, quando público –, se não for para lutar contra a alienação?
Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens?
Vivemos atualmente a convivência de uma massa inédita de informações disponíveis e uma incapacidade aparentemente insuperável de interpretação dos fenômenos.
Vivemos o que alguns chamam de “novo analfabetismo” – porque é capaz de explicar, mas não de entender –, típico dos discursos econômicos. Conta-se que um presidente, descontente com a política econômica do seu governo, chamou seu ministro de Economia e lhe disse que “queria entender” essa política. Ao que o ministro disse que “ia lhe explicar”. O presidente respondeu: “Não, explicar eu sei, o que eu quero é entender”.
A diferença entre explicar e entender pode dar conta da diferença entre acumulação de conhecimentos e compreensão do mundo. Explicar é reproduzir o discurso midiático, entender é desalienar-se, é decifrar, antes de tudo, o mistério da mercadoria, é ir para além do capital. É essa a atividade que István Mészáros chama de “contra-interiorização”, de “contraconsciência”, um processo de “transcendência positiva da autoalienação do trabalho”.
Os que lutam contra a exploração, a opressão, a dominação e a alienação – isto é, contra o domínio do capital – têm como tarefa educacional a “transformação social ampla emancipadora”. Se em Para além do capital Mészáros retomava o fio condutor de O capital, neste texto – vibrante, lúcido, decifrador – ele se insere na prolongação do Manifesto Comunista, apontado para as tarefas atuais do pensamento e da ação revolucionária no campo da educação e do trabalho – isto é, da emancipação humana.


Nenhum comentário:

Postar um comentário