Ariano SuassuNa e sua “CrÍtica sobre o forró atual”
SILVA, Gleidistone da.
Sabemos que cada palavra traz em si um significado, haja vista que existe um relacionamento entre o homem e os objetos do mundo PRESTES (2001). A esse relacionamento homem/objeto, podemos chamar de ato linguístico, que nada mais é do que comunicação. Mas o que é comunicação senão o ato de ação e de interação que se estabelece entre duas ou mais pessoas, ou mais ainda, entre o homem e os objetos que o cerca? CEREJA & MAGALHÃES (2000)
Tudo que existe ao nosso redor nos diz algo, nos traz uma significação. Centrando a presente análise no texto de Ariano, podemos dizer que o mestre, indignado com a significação musical dos “ditos forrós”, expôs para público sua observação acerca do gosto (ou do desgosto?) popular, por um tipo de letra e melodia que agridem os valores éticos e morais do público em geral.
O autor começa o texto com o discurso direto, reproduzindo fielmente a fala, ou melhor, o grito do vocalista dito forrozeiro e “raparigueiro”: “Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!” Percebemos logo na introdução de Ariano, tratar-se de uma crítica. Tal observação se confirma pela inferência que se faz ao lermos o restante introdutório e pelo aposto na linha 4: “... dele só não, todas as bandas de gênero.
O contexto crítico que Ariano expôs em seu texto, sedimenta-se pelo uso dos apostos nas linhas 4, 7 e 48 respectivamente. Na linha 6, o autor, pelo uso do posto, nos deixa o pressuposto de que tal acontecimento (show) ocorreu no interior de Pernambuco, pois a expressão ativadora de pressuposto MOURA (2000) na linha 6: “Esta cena aconteceu numa das cidades de destaque no agreste”, nos remete ao fato do mestre estar a percorrer todo o estado de Pernambuco com sua “Aula Espetáculo” nas cidades de destaques do agreste, o que de imediato, pressupomos ser a cidade de Caruaru, haja vista sua relevância e seu maior porte no agreste do nosso estado.
Nas linhas 8 e 9, Suassuna deixa subtendido que nos anos 70, o vocalista, possivelmente, seria linchado pela massa devido a falta de respeito.
Da linha 10 à linha 26, enfaticamente, o autor expõe um “rosário” de nomes de bandas e títulos das “ditas músicas” onde cada linha (13 à 25) semanticamente, nos traz vários implícitos onde o sexo é a tônica que movimenta ricamente o universo dessas, como diz o Ariano, “ditas bandas”.
A interpretação semantical que se faz dos títulos das “ditas músicas” e dos nomes das “bandas” é mesmo de envergonhar até a memória de ilustres compositores que já se foram (in memoriam). Da linha 27, ao usar a palavra “desculhambação”, forma que o “matuto” indignado usa em sua linguagem coloquial, para expressar seu espanto diante de tanto escândalo.
Apesar de o texto ter sido escrito por um catedrático, percebemos a utilização de várias expressões coloquiais nas linhas 4, 27, 29 e 48, evidenciando com isso, a forte influência da cultura popular nordestina sobre o autor.
A partir da linha 30, Ariano nos traz todo um contexto histórico referencial que influenciou as “ditas bandas” forrozeiras de hoje. Tal exposição nos faz pressupor que o autor, de fato tenha autoridade para criticar os que hoje se escuta em termos dos ditos forrós.
De 42 à 52 Suassuna torna-se mais incisivo nas suas críticas psicológica e social, marcada por operadores argumentativos que amplificam cada enunciado textual MOURA (2000), por intermédio dos postos e pressupostos evidenciando os caminhos futuros da juventude transviada que hoje se forma no seio da nossa sociedade.
Ariano Suassuna muito bem colocou sua crítica, apesar de não ter sido aceita (ou entendida) por jovens desatentos e displicentes alienados e pelos manipuladores da mídia. Entender os postos validados pelos pressupostos, é deveras complexo, mas quando se procura uma base teórica, para observar determinado contexto, pode-se elaborar uma reflexão bastante proveitosa, à luz da semântica da língua portuguesa. SARGENTIM (1984)
REFERÊNCIAS__________________________________________________
HERMÍNO, Sargentim. Gramática didática da língua portuguesa. São Paulo: IBEP, 1984
MOURA, Heronides M. de Melo. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica. Florianópolis: Insular, 2000
CEREJA, William R. MAGALHÃES, Tereza Cochar. Texto e interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos. São Paulo: Atual, 2000
PRESTES, Maria L. de Mesquita. Leitura e (re)escritura de textos. Catanduva – SP: Respel, 2001
Texto original de Ariano Suassuna
Texto original de Ariano Suassuna
Crítica de Ariano Suassuna sobre o “forró” atual
‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas as bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam).
Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.
Para uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá:
Calcinha no chão (Caviar com Rapadura),
Zé Priquito (Duquinha),
Fiel à putaria (Felipão Forró Moral),
Chefe do puteiro (Aviões do forró),
Mulher roleira (Saia Rodada),
Mulher roleira a resposta (Forró Real),
Chico Rola (Bonde do Forró),
Banho de língua (Solteirões do Forró),
Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca),
Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).
Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas. Porém o culpado desta ‘desculhambação’ não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo.
O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se.
Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde.
Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.
Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste.
Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção.
Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem.
Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é: ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.
Ariano Suassuna
Nenhum comentário:
Postar um comentário