Maconha medicinal em foco no filme 'Ilegal'
"Minha
família é militar. Sempre fui careta. Nunca vi maconha na minha
vida. Se eu paro para pensar que eu dou três drogas para meu filho
hoje ( Topiramato e o Depakene, e dou o Klobazam, um tarja preta),
para um bebê de um ano e três meses, por que não posso dar o CBD?
Se a luz no fim do túnel é essa e se o CBD dá na maconha, OK. A
gente vai usar maconha. Se desse no abacaxi, a gente usava folha do
abacaxi, mas não dá!" Estas são as palavras de Camila Guedes em cena do
documentário Ilegal, que já estreou nos cinemas depois de
ter suscitado debates e discussões não só sobre a legalização do
uso medicinal de derivados da Cannabis Sativa (nome científico da
maconha) como também sobre a luta de um grupo de pais contra a
burocracia da política brasileira.
Isso
porque o CBD é o canabidiol, substância derivada da maconha, que
não possui efeito tóxico nem alucinógeno e se mostrou eficaz no
tratamento de males como dor crônica, esclerose múltipla,
Alzheimer, além de epilepsias refratárias e as ditas epilepsias
catastróficas, como a síndrome de Dravet. A questão é que o
canabidiol é proibido no Brasil e está na lista de substâncias
proscritas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Camila Guedes |
É a
síndrome de Dravet, o mal com que nasceu o pequeno Gustavo, filho de
Camila. Depois de tentar de tudo, o uso do CBD se mostrou o único
tratamento possível. "A primeira vez que li sobre isso, vi como
a viagem de uma mãe. Pensei: ‘ Nunca vou dar maconha para o meu
filho.’ Depois que vi Ilegal, aquilo se tornou algo mais real, mais
humano", declara Camila em cena de Ilegal, em referência ao
curta que o jornalista Tarso Araújo e o documentarista Raphael
Erichsen dirigiram antes do longa homônimo.
Foi ao
ver, no curta, a luta de mães como Katiele Fischer para tratar as
convulsões de sua filha Anny com canabidiol que Camila teve a
dimensão exata de que seu drama era o mesmo de tantas outras. E é
exatamente revelar a batalha dessas famílias para vencer a
burocracia e o preconceito que a dupla diretores fazem a realizar
Ilegal, que tem produção da paulistana 3Film em parceria com a
revista Superinteressante.
"Começamos
esta história em março, com o curta. E a repercussão foi muito
maior do que a gente pensava. Muita gente se identificou, interessou.
É preciso vencer o preconceito em torno do assunto. Por isso, além
dos três curtas que realizamos, organizamos a campanha Repense
(campanharepense.org), mergulhamos no projeto", conta Raphael.
Vale
lembrar que o longa, que, assim como o curta, nasceu a partir de uma
série de reportagens realizadas por Araújo para a revista
SUPERINTERESSANTE, não é apenas um tratado sobre a
legalização do uso medicinal e nem mesmo recreativo da maconha, mas
sim uma metáfora muito contundente dos mecanismos lentos de mudança
do Brasil e do quanto o preconceito ronda o assunto. "Fizemos o
filme não para falar de maconha, mas de algo amplo, sobre a batalha
destas mães, que enfrentam uma série de burocracias. É isso que o
brasileiro encontra quando vai atrás de direitos que deveriam ser
garantidos pelo Estado", declara Tarso, autor de Almanaque das
Drogas.
Muito
pelo objetivo dos diretores, Ilegal não começa, como poderia se
supor, com entrevistas com médicos e especialistas sobre o mecanismo
de atuação do canabidiol e como Anny, de apenas cinco anos, passou
de 60 convulsões por semana para praticamente nenhuma depois de
começar a ser tratada com o CBD.
Canabidiol |
A
primeira cena revela Katilene às voltas com ligações intermináveis
para os Correios, tentando, em vão, falar com alguém que lhe
explique onde foi parar sua encomenda de canabidiol. Ilegal e não
catalogado pela Anvisa, o produto foi retido. Enquanto os pais tentam
ter acesso ao CBD, as convulsões de Anny voltam.
Jornalista Tarso Araújo |
Ao
telefone, o tom robótico com que a atendente fala revela o abismo
que há entre os que seguem a cartilha da burocracia e os que, como
ela, veem seus filhos convulsionarem todos os dias. De um call center
a outro, Katilene e seu marido, que, em meio a pesquisas sobre o que
poderia ajudá-los a melhorar a qualidade de vida da filha, portadora
de um caso raro de epilepsia, descobriram o CBD, chegam finalmente ao
Congresso Nacional e a uma reunião da Anvisa.
Quem
chega também é Margarete Brito, mãe de Sofia, que, além de ser
uma das fundadoras da Appepi (Associação de Pais de Pessoas com
Epilepsia de Difícil Controle), uniu-se a Katilene e Camila na
batalha para sensibilizar deputados e órgãos oficiais pela inclusão
do CBD entre as substâncias permitidas pela Anvisa.
Camila com a sua filha Katilene |
Ainda que
haja muito preconceito e desinformação sobre o assunto no Brasil,
mesmo depois de ser difundido e legal em vários países, como os
EUA, a Espanha e a Holanda, Tarso mantém o otimismo. "É
importante falar disso na mídia. Mas, ao mesmo tempo, já percebemos
que o Estado não está ligando muito para esta questão. Apesar do
barulho, não sabemos se vai haver uma reação institucional seja
por parte da Anvisa seja do Congresso. A perspectiva de sair algo
progressista hoje é mínima em relação à política das drogas.
Esta eleição aprofundou ainda mais o conservadorismo do Congresso.
Não sei se dá para esperar muita coisa, mas sejamos otimistas. É
preciso debater e lutar", declara o diretor. "É absurdo
total negar o potencial medicinal da maconha em pleno século 21, com
dezenas de testes sendo feitos nos EUA. É muito atraso. Precisamos
avançar", acrescenta Tarso, que no dia 31, após sessão
especial no Auditório do Ibirapuera, participa de debate sobre o
poder do cinema como experiência de transformação social, como
parte do encerramento da Mostra de Cinema de SP.
FONTE:
http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/2014/10/maconha-medicinal-em-foco-no-filme-ilegal.shtml
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