O vazio do nada a perder
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Ele não tinha grandes convicções, mas tinha muitas simpatias por
tudo que desestruturava: do jeito diferente do corte de cabelo
até opções sexuais.
Aparentemente, era um cara aberto para
o novo – e, julgava assim, portanto, mais inteligente.
Entretanto, no fundo, seu coração era tão confuso quanto um novato
em numa nova experiência. No fundo, não se apegava a nada, nem às
bandeiras que ele mesmo defendia.
Sua busca deveria ser mais profunda
– ele necessitava disso, mas a verdade é que não tinha coragem
de ir até o fim nesta caminhada existencial. Não tinha coragem de
encarar suas próprias carências. Contentava-se então com
“migalhas” que a sociedade lhe dava, como os “Pombos na
praça” de Raul Seixas.
O tempo foi passando e ele já não queria sair de casa, a não ser
para sua obrigação diária do emprego que há tempos já não o
animava nem o desafiava. Uma ocupação mecânica que no início era
até ideal: ele trabalhava sem precisar pensar muito durante a
semana, e aproveitava o fim de semana para divertir-se. Aliás, não
tem coisa melhor para mascarar nosso vazio do que a diversão, não
é?
Pois bem, o tempo passou mesmo. Nosso personagem, que já não tinha
grandes convicções, também já não possuía muitas simpatias.
Tornou-se um burocrático (no pior sentido da palavra). Posava de
intelectual, mas não passava de um adulto necessitado de uma
inocência perdida.
Nosso personagem nunca descobriu que sua vida era uma contradição
trágica: a liberdade que havia conquistado não o ajudou e ser mais
gente nem o fez mais maduro. Tornou-se mais culto, porém pouco
sábio. Ainda hoje, suspeita que os colegas de trabalho conspiram contra
ele. Ainda hoje pensa que é possível ganhar a vida
transformando-se em alguém que não existe.
Coitado do nosso personagem! Vive como se não tivesse nada a perder.
Mas mal sabe ele que já perdeu quase tudo!!!
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