segunda-feira, 20 de abril de 2015

O vazio do nada a perder


O vazio do nada a perder



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Ele não tinha grandes convicções, mas tinha muitas simpatias por tudo que desestruturava: do jeito diferente do corte de cabelo até opções sexuais.
Aparentemente, era um cara aberto para o novo – e, julgava assim, portanto, mais inteligente.
Entretanto, no fundo, seu coração era tão confuso quanto um novato em numa nova experiência. No fundo, não se apegava a nada, nem às bandeiras que ele mesmo defendia. 
Sua busca deveria ser mais profunda – ele necessitava disso, mas a verdade é que não tinha coragem de ir até o fim nesta caminhada existencial. Não tinha coragem de encarar suas próprias carências. Contentava-se então com “migalhas” que a sociedade lhe dava, como os “Pombos na praça” de Raul Seixas.
O tempo foi passando e ele já não queria sair de casa, a não ser para sua obrigação diária do emprego que há tempos já não o animava nem o desafiava. Uma ocupação mecânica que no início era até ideal: ele trabalhava sem precisar pensar muito durante a semana, e aproveitava o fim de semana para divertir-se. Aliás, não tem coisa melhor para mascarar nosso vazio do que a diversão, não é?
Pois bem, o tempo passou mesmo. Nosso personagem, que já não tinha grandes convicções, também já não possuía muitas simpatias. Tornou-se um burocrático (no pior sentido da palavra). Posava de intelectual, mas não passava de um adulto necessitado de uma inocência perdida.
Nosso personagem nunca descobriu que sua vida era uma contradição trágica: a liberdade que havia conquistado não o ajudou e ser mais gente nem o fez mais maduro. Tornou-se mais culto, porém pouco sábio. Ainda hoje, suspeita que os colegas de trabalho conspiram contra ele. Ainda hoje pensa que é possível ganhar a vida transformando-se em alguém que não existe.
Coitado do nosso personagem! Vive como se não tivesse nada a perder. Mas mal sabe ele que já perdeu quase tudo!!!

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